Madeira Tratada Com CCA

Com a descoberta casual da insolubilizarão do cloreto de zinco, na forma de oxicloreto, passou-se a estudar formulações multi-salinas, cujos componentes reagissem entre si, formando complexos insolúveis com os polímeros que constituem a fibra da madeira.

Assim, no início da década de 30, foi introduzido o CCA (arseniato de cobre cromatado) que logo se tornou um dos preservativos de madeira mais usados em todo o mundo.

Estima que já se tenha tratado com CCA algo em torno de 400.000.000 de m³ de madeira, quantidade que preencheria 13 milhões de vagões de trem, que reunidos seriam suficientes para dar cinco voltas em torno da Terra.

Tal grau de aceitação não foi obra do acaso, mas fruto de muita pesquisa, destacando-se na fase inicial de desenvolvimento os trabalhos de Fahlstrom e Hartford, na definição das formulações mais eficientes.

Todavia, só a partir da década de 70 começou-se a conhecer melhor os mecanismos de fixação do CCA na madeira, graças aos avançados estudos de cinética química desenvolvidos, principalmente, por Dahlgreen, Pizzi e Cooper, que concluíram que a fixação ocorre em três fases, tendo a primeira, duração de até algumas horas e o processo como um todo até 30 dias, dependendo das condições de temperatura em que isso ocorre.

Sabendo-se que um dos requisitos para que um produto químico, ou associação de mais de um deles, tenha sucesso em preservação de madeiras é sua toxicidade a organismos vivos (fungos, insetos, perfuradores marinhos), seria ingenuidade esperar que tal composição não trouxesse qualquer risco associado à sua utilização.

Porém, é um risco calculado em função do conhecimento técnico acumulado. Até hoje os fabricantes que mantêm o CCA sob registro em seus países fornecem aos seus consumidores as MSDS (Material Safety Data Sheet) do seu produto e da madeira tratada contendo todas as informações disponíveis sobre toxicidade, descrição dos EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual) necessárias para uso e manipulação segura de ambos.

Ocorre que a percepção de risco de utilização, mencionada anteriormente, é variável com o tempo, e como o tempo das preocupações de natureza ecológica chegou, vieram com ele, nos anos 90, sérios questionamentos com relação aos componentes do CCA, principalmente o arsênico.

Num clima em que se começa a duvidar da sustentabilidade do planeta, passou-se a falar de chuva ácida, do efeito estufa, da hipótese de Gaia e de outros temas que punham em dúvida a sobrevivência da espécie humana. Criou-se um ambiente de quase histeria, exacerbada pela mídia sensacionalista, que, entre os exageros, culminou com a colocação de restrições em 17/3/2003, por parte da EPA americana (Environmental Protection Agency – USA), das licenças de uso da madeira tratada com CCA para certos tipos de aplicação, naquele País.

É curioso ressaltar que nesse processo condenatório, após mais de 70 anos de uso, o CCA não teve direito nem a uma defesa dativa, normalmente ofertada aos indiciados sem padrinho, isto é, sem recursos materiais.

É interessante também notar que, nessa fase da história, o CCA, por não ter patente em vigor, tornou-se de domínio público, isto é, uma quase commodity, de preço muito baixo. Qualquer tipo de restrição ao uso, portanto, abriria um enorme mercado para uma série de novos produtos, com margens de lucro capazes de saciar os apetites mais vorazes.

Se, pelo menos, esses novos produtos que vêm sendo introduzidos no mercado fossem inócuos ao meio ambiente, de tudo o que vem acontecendo, dos males seria o menor.

Qual o libelo acusatório que se levantou contra o CCA? Seria uma possível ação cancerígena do arsênico? O arsênio é o vigésimo elemento mais abundante na crosta terrestre e é detectado praticamente em todos os elementos da natureza, principalmente nos frutos do mar.

Seria então uma bomba de efeito retardado que constou dos “perversos” planos de criação do mundo em que vivemos? É claro que não. A verdade é que nenhuma das investigações conduzidas pela EPA revelou qualquer potencial cancerígeno decorrente de transporte e contato físico com madeira tratada com CCA.

Uma vez levantada a suspeita, muita junk science passou a ser produzida, incluindo informações sobre a contaminação de frutos e vegetais e a possível contaminação de crianças em contato com madeiramento de
brinquedos de playgrounds.

Essa última afirmativa levou pesquisadores do Mississippi State University  a relatarem com ironia que: “uma criança necessitaria, para estar exposta a algum tipo de risco, brincar num deck de madeira tratada (CCA) durante um tempo absurdamente longo, o dia todo, a cada dia, durante 15 anos.

Estudos efetuados pelo prof. Daniel West, Professor Associado de Pediatria da Universidade da Califórnia, concluíram que “a incidência de câncer nos Estados Unidos associada à exposição ao arsênico permaneceu invariável ou diminuiu em grupos que foram expostos a estruturas de madeiras tratadas com CCA”.

O relatório técnico nº 151 produzido pela ENBIS (Associação CSIRO & SCION), conclui “não haver necessidade de substituição do madeiramento de playgrounds em escolas e parques da Austrália”. Ainda mais, em recente artigo apresentado ao jornal Sun-Sentinel, a pesquisadora Helena Solo-Gabriele, sempre atuante no que se refere ao tema madeira tratada versus poluição ambiental, declara: “arsênico ocorre na natureza como um produto químico sem cor e sem cheiro. Altas doses podem matar pessoas que venham a consumi-lo ou a aspirá-lo, mas a madeira com ele tratada não apresenta, em curto prazo, risco de envenenamento”.

Posição conclusiva foi tomada pelo Departamento de Saúde do Governo Australiano e pela Autoridade Neozelandesa de Gerenciamento de Risco Ambiental ao afirmarem, em 2003, que: “o peso das evidências atuais não suporta medidas como a proibição de uso futuro de madeira tratada com CCA ou substituição das estruturas atualmente em uso”.

Parece, ao término destas considerações, que até o momento não há nada de mais sério ou substancial que corrobore com uma eventual proibição de uso de madeira tratada com CCA, a não ser no caso de madeira que entre em contacto com alimentos.

Todavia, é forçoso reconhecer que o ruído produzido abriu espaço para a introdução, às vezes açodada, de novos produtos mais caros e com menor espectro de atuação em termos de classes de risco.

Oxalá não tenhamos, nos próximos anos, problemas maiores do que os que foram forjados. Apesar de tudo isso, o CCA continua a ser o produto mais utilizado no mundo para o tratamento de madeira, mesmo nos Estados Unidos e em outros países onde não ocorreram as mesmas restrições.

Eng. químico e consultor da Montana Química S.A.

Dr. Ennio Silva Lepage

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